
Direto do oriente
Os RPGs japoneses (ou JRPGs) foram um gênero muito prolífico nos anos 90 e início de 2000. A profusão tanto de jogos incríveis como também de fillers consolidou e saturou um pouco o mercado e o coração dos gamers. Muitos vão culpar os Call of Duties da vida pelo declínio do gênero, quando a popularização dos FPS nos consoles tirou a mira dos desenvolvedores. Outros, eu incluso, vão afirmar que na verdade foi a estagnação de ideias que impediu a sua continuidade. Temas e clichês se repetiam de forma embaralhada, jornada do herói, encontros aleatórios, vilões exagerados e mundos que seriam destruídos.
E então, os jogos começaram a vir menos do oriente para nós aqui, voltando a ser um nicho. Não obstante, houve bons jogos que chegaram na geração PS3/Xbox: série Tales, Eternal Sonata, Xenoblade (após clamor dos fãs, diga-se de passagem). Incluo aí também a série Souls, que apesar da estética ocidental, é um RPG japonês em sua alma (não do jeito que estávamos acostumados). Ainda assim, ficou aquela lacuna que carecia de preenchimento. E quando I am Setsuna foi anunciado, como uma homenagem e inspiração aos jogos de outrora, dá para imaginar o alvoroço que isso causou nos velhos fãs.
Prazer, eu sou Setsuna
A premissa do jogo é que Setsuna parte em peregrinação com seus guardiões em busca da Last Lands onde ela se tornará o sacrifício que trará paz novamente ao mundo. De tempos em tempos um sacrifício precisa fazer essa jornada para apaziguar os monstros que não param de atacar as pessoas. Mas dessa vez, é diferente, os monstros estão muito mais agressivos e atacando vilarejos.
Enquanto Setsuna reza pela o início de sua jornada, surge o mercenário mascarado chamado Endir, que tem como missão mata-la e parar com a sua peregrinação. Mas ao invés disso, por algum motivo obscuro, ele resolve acompanha-la até o fim. Ao longo da história novos personagens são agregados ao grupo, e você sabe exatamente quem são, pois eles não parecem genéricos iguais aos NPCs, além de que possuem figura na caixa de texto.
Mas não espere nada muito profundo, o desenvolvimento dos personagens é pífio. O arco deles basicamente se resume ao momento que você os recruta, sem maiores repercussões no futuro. A interação entre eles também é mínima. Infelizmente tenho que destacar a semelhança entre os personagens deste jogo com as suas “inspirações”. Endir é o tradicional protagonista silencioso. Setsuna é basicamente uma mistura de Yuna de Final Fantasy X e Collette de Tales of Symphonia (incluindo até mesmo as armas, as Chakrans). Nidr é exatamente o Auron de Final Fantasy X só que com a roupa verde. Há um personagem que é igual ao Magus de Chrono Trigger. E até mesmo um Cid (de Final Fantasy) fajuto. Lamentável.
É claro, existem sim certos clichês que são inerentes e clássicos aos RPGs e desenhos japoneses também. Mas essas semelhanças não são clichês, tampouco homenagens ou inspirações, mas pura falta de imaginação.

O mundo de Setsuna é um lugar onde a neve nunca cessa de cair e as pessoas precisam conviver tanto com o frio quanto com os ataques de monstros. Estranhas barreiras cercam algumas regiões impedindo que as pessoas transitem livremente. Mas é um mundo pequeno demais, talvez porque se passe em uma determinada região do globo. Ao contrário dos muito RPGs, este se passa em um único continente, digamos assim. A disposição das cidades com as dungeons é estranha e bem linear. É impossível ficar perdido, o caminho até o próximo ponto de interesse é único. E não há nada para ser visto nessa rota. Depois de um bom tempo aparece uma ou outra coisa, mas nada relevante e digno de nota.
Dentro das cidades, que diga-se de passagem são muito parecidas, vemos sempre as mesmas figuras. As casas que você pode entrar (e saquear) são todas iguais e com poucos detalhes. Os vendedores são literalmente os mesmos em todas as instâncias. É como se teleportassem de cidade em cidade.
COMBO!
Vamos agora ao núcleo de um RPG, o seu sistema de batalha. Muito se falou sobre a inspiração no Chrono Trigger, e é verdade, há muitas semelhanças. Ou melhor muitos fatores idênticos.

De cara uma semelhança é que os inimigos são vistos no mapa. Mas não da forma que alguns RPGs fazem, como o Lunar por exemplo, onde você precisa tocar no inimigo para engajar em combate, ou que eles te persigam quando tenta fugir. Assim como Chrono Trigger, os inimigos tem a sua rota de patrulha e ao chegar dentro de um raio de aproximação a batalha começa.
Os turnos entram em sucessão conforme a barra de ATB enche e de acordo com a velocidade do personagem mais rápido a barra enche. Bem tradicional e conhecido. Quando chega a sua vez, três ações podem ser tomadas: Attack, Tech (Combo) e Item. Ficando parado, sem tomar o turno (pode ser atacando ou sendo atacado também) a barra de Special vai enchendo também, podendo chegar até 3 níveis. Você gasta um ponto ao apertar o quadrado no momento exato da ação, assim acrescentando algum efeito que pode variar em benéfico para o grupo quanto maléfico para o inimigo.
Os personagens não ganham novas habilidades ao level up, mas sim equipando “spritnites”, uma espécie de “materia” igual ao Final Fantasy VII. Os spritnites são vendidos pelos magos do Magic Consortium. O pulo do gato é que você precisa dos materiais certos que os inimigos deixam ao serem derrotados. Então você os vende para esses magos e daí os spritnites são feitos. Aliás esta é a única maneira de se fazer dinheiro. Com um detalhe bem bizarro, os equipamentos (talismãs e armas) não podem ser revendidos para os vendedores.

Depois de adquiridos, precisam ser equipados nos slots. Os slots possuem alocações de suporte ou comando, então nem todos os spritnites vão em qualquer espaço. Os personagens ganham mais slots no level up ou equipando talismãs. Os talismãs tem três efeitos: aumento de espaço, efeitos passivos benéficos e efeitos de flux. O flux é um conceito de que aleatoriamente quando um efeito de Special Power for acionado, um flux também pode ser acionado e no final da batalha pode ser permanentemente adicionado na habilidade usada. Cada habilidade pode suportar até 10 efeitos de flux ao mesmo tempo.

Dependendo das habilidades equipadas, combos são formados entre os personagens, tal qual Chrono Trigger. Até mesmo alguns nomes vem diretamente deste jogo. Outro ponto que poderia ser interessante, mas na execução ficou um pouco aleatório, é o posicionamento dos inimigos e equipe em batalha. Os inimigos têm liberdade de trafegar pelo cenário, enquanto que o time somente se movimenta dependendo de ataques sofridos ou feitos contra os inimigos. Entretanto, isso pouco importa, você pode executar todos os ataques de qualquer distância que o inimigo sempre será acertado. O mais curioso é que dependendo de quão perto os adversários estão, até o ataque normal pode acertar mais de um. Tornando o jogo bem fácil.
Salvação?

A música é linda. É feita de uma forma que a transição é suave e ininterrupta. O mais legal é que foi toda composta somente no piano. Combina muito bem com a paisagem nevada. Mas nem tudo são flores, é claro (como tudo nesse jogo). Fico triste em perceber que vários temas foram levantados de outros jogos clássicos, como: Final Fantasy VI, Final Fantasy VII, Chrono Trigger, Chrono Cross e por aí vai. Não compreendo exatamente o objetivo dessa estratégia. Mas a mim não evocou memória alguma, pois os momentos são desconexos. Quando se chega em Figaro Castle em FF6, é um momento épico, numa construção bem interessante de um castelo que se esconde na areia. O tema musical é incrível. Quando se chega em Floneia Citadel, com um castelo de uma sala apenas (UMA), a mesma música toca e nada acontece. O tema chega a ser irritante.
Inicialmente a arte do jogo parece bonita, mas ela se torna cansativa e repetitiva entre as poucas cidades e dungeons disponíveis. Os inimigos basicamente são os mesmos com cores diferentes representando um incremento de dificuldade. Com 75% do jogo tem um súbito aumento da dificuldade com um boss extremamente apelão que não representa nem um pouco os inimigos que você já vinha enfrentando. Depois volta ao normal. Todas as dungeons são idênticas, sejam as cavernas, florestas, montanhas ou ruínas. Quem jogou Final Fantasy VII, deve se lembrar de como os personagens não tinham mãos. Aqui, eles não têm pés. Os menus e interface são bem crus, assim como os efeitos sonoros. Poderiam até passar por um jogo de final de geração de Playstation 1 e início de geração de Playstation 2.
O enredo tem muitas semelhanças com Final Fantasy X. Muitas mesmo. E algumas poucas com Tales of Symphonia. Mas o pior disso é que a narrativa é fraca. Nada acontece. Diversas pontas soltas que nunca voltam a serem mencionadas. Personagens completamente mal desenvolvidos, você não se importa com ninguém. Nomes e conceitos quando não semelhantes são idênticos. Encontrar uma magia Demi fora de Final Fantasy é estranho.
Infelizmente este jogo não é a salvação que todos esperávamos, com um retorno aos bons tempos. Hoje temos um histórico de muitos anos de videogame, que chega a ser inaceitável o nível das falhas que o jogo apresenta. A mídia evoluiu muito e vários gêneros também evoluíram. Este jogo não tenta nada, ele apenas emula por imitação. O jogo foi feito por um estúdio supostamente pequeno, mas cujo dono é a Square Enix. Basta ver os créditos para ver que este não é um jogo de baixo orçamento. Outro ponto negativo, o preço. R$122 na PSN BR e US$39 na PSN US.
I am Setsuna ao tentar caminhar por entre os gigantes, mal chega nas sombras dos mesmos.
Nota:
(1,0 / 5,0)
PS: Pela primeira vez em uma resenha deixo um post scriptum. Creio que muitos podem achar que sou um hater ou apenas muito severo. Mas não é verdade. O JRPG é um gênero muito amado por mim. É definitivamente um dos meus preferidos senão o meu preferido. Fico sempre procurando por aquele jogo que vai trazer as mesmas sensações que eu tinha antigamente. Não estou sendo severo na minha análise, apenas escrevi à luz de todo um passado de JRPGs. E francamente, o que Setsuna faz é uma afronta. É apenas um pastiche.