Em meados de março o mundo gamer teve uma triste notícia, Hideo Kojima estaria saindo da Konami por não aprovar a nova estrutura de trabalho da empresa. Pessoalmente, não tinha uma notícia tão triste desde que Sakaguchi deixou a Square ou a Sega abandonou a divisão de hardware. Segundo Rika Muranaka, compositora de alguns jogos da série, a saída de Kojima se deu por dois motivos básicos.
Na nova estrutura da Konami, os chefes da área criativa não participam mais das tomadas de decisão, logo, não ganham mais participação nos lucros das vendas de seus respectivos games. Após anos de dedicação à empresa, Kojima foi rebaixado a um mero empregado ganhando apenas um salário fixo. Outra razão foi a demora na entrega de Metal Gear Solid V: Phanton Pain por conta de alterações feitas na Fox Engine, que melhorariam a qualidade do jogo, mas em contrapartida aumentariam o orçamento necessário para sua conclusão.
Esse é o ponto em que queremos chegar amigos gamers. Como uma mente cheia de genialidade pode escapar da influência de seus empregadores sem comprometer o resultado de seu trabalho?
Quando a genialidade falha e a empresa esquece o passado…
Cargo elevado em empresas tem o seu efeito colateral – Quanto maior o seu cargo, maior o risco que se corre – Porém por vezes as empresas não lembram do passado do funcionário, seja ele quem for.
Hironobu Sakaguchi salvou a Square da falência no final da década de 80. Com jogos sem expressão para PC e Famicom, a empresa amargava prejuízos e estava bem próxima da falência, então Sakaguchi, que estava na dúvida entre regressar a faculdade ou seguir o seu sonho decidiu fazer um último projeto, bem diferente dos outros jogos que criou. Um projeto chamado Final Fantasy.
Montanhas de dinheiro correram como vento nas mãos da Square que consolidou seu nome no mundo. Final Fantasy VII foi o ápice do poder monetário da empresa sendo o título que consolidou o primeiro Playstation no mercado de games, mas Sakaguchi queria mais, ele queria contar histórias, mas saindo do mundo dos games.
Chegando a ser vice-presidente executivo da Square e até mesmo presidente da Square americana, Sakaguchi tinha respaldo e moral para tocar em frente um novo projeto, Final Fantasy: The Spirits Within. O filme custaria em torno de 70 milhões de dólares para ser produzido, mas a genialidade de Sakaguchi não permitiu que o trabalho fosse feito a meia boca e o orçamento estourou em mais de 60 milhões graças a utilização da melhor tecnologia da época e de vasta mão de obra.
Em minha opinião, o filme foi bem “ok”, nada muito memorável, mas nada tão ruim como a adaptação cinematográfica do Mario Bros. A questão é que houve talvez um grande erro estratégico aqui. Pessoas que não gostavam de games torceram o nariz ao ver uma história adulta sendo contada em animação gráfica enquanto os gamers ficaram um pouco tristes pelo filme não ter nenhum elemento do jogo, embora a história tivesse algo de Final Fantasy VII utilizando a Teoria de Gaia e a Lifestream. Por conta disso, o filme faturou muito mal, apenas 85 milhões de dólares, sendo um grande fracasso do ponto de vista comercial.
Sakaguchi foi praticamente obliterado da empresa, todos os seus poderes de decisão criativa e executiva foram retirados o forçando a pedir demissão da empresa, não foi lembrado que ele agregou muito mais para a empresa do que essa perda representou. Sakaguchi teve grande papel em escolhas executivas de outros grandes sucessos da empresa como Final Fantasy Tactics e o aclamado Kingdom Hearts. Mas a sua genialidade foi completamente posta de lado com a leitura fria de números ruins de um único projeto. A consequência disso meus amigos? Após a saída de Sakaguchi a série Final Fantasy desceu a ladeira e muitos pedem o seu encerramento para não macular ainda mais as boas memorias da época de ouro da franquia.
Quando a genialidade vira a galinha dos ovos de ouro…
Às vezes uma grande ideia pode ser destruída quando a empresa decide capitalizar a marca até o extremo.
Uma guerra entre duas facções, Templários e Assassinos. Uma máquina que permite a uma pessoa vasculhar as memórias de seus ancestrais assassinos em busca de um grande segredo, enredo misturado a grandes eventos históricos como as cruzadas e conhecer grandes figuras históricas como Leonardo da Vinci. Assassin’s Creed tinha tudo para se tornar um grande sucesso e assim foi, os dois primeiros títulos estão na memória de cada gamer que pôde jogá-los na época.
Porém, a Ubisoft percebeu que o jogo criado por Patrice Desilets era uma grande oportunidade de lucro fácil para a empresa. O jogo passou a sair todos os anos, como se fosse um jogo da Série FIFA, PES ou Call of Duty. Não demorou para que a criatividade diminuísse, especialmente após a conturbada saída de Desilets da empresa.
Hoje, a grande ideia concebida que poderia ser um jogo genial e aguardada por todos se fosse mais polido e sem a necessidade de sair todos os anos, não passa de uma franquia caça-níqueis para a Ubisoft. Perdendo grande parte do respeito pelos gamers que já esperam sempre a divulgação de um novo jogo da franquia na E3 que são lançados, geralmente, com mais bugs que o jogo do E.T. para o Atari.
Grande genialidade, baixo lucro…
Mas pensemos também no lado comercial. Apesar de criticarmos os jogos que são “vacas leiteiras” como bem diz nosso amigo Rodrigo Estevão, são esses jogos que financiam as nossas tão queridas masterpieces que nem sempre são reconhecidas como devem.
Na própria Ubisoft temos talvez um dos maiores exemplos disso. Grande jogo da vida de nosso amigo Diego Ferreira, Beyond Good and Evil tinha tudo para ser um grande sucesso. Belos gráficos, bela história, bela jogabilidade, uma bela produtora por trás e produzida pelo criador de Rayman, o que poderia sair errado?
Talvez o pouco marketing por parte da Ubisoft, ou a grande atenção dada pela empresa para Prince of Persia: Sands of Time ou até mesmo a fria recepção ao jogo na E3 de 2002 – que forçou até mesmo a algumas alterações artísticas que causaram atrito entre a Ubisoft e o criador do jogo Michael Ancel – fora as razões do fracasso comercial do jogo que após o seu lançamento foi aclamado pelas publicações especializadas e hoje é considerado um jogo cult.
O mesmo caminho foi traçado por ICO, que apesar de ter a Sony por trás de sua produção tinha um orçamento baixo e poucas ações de marketing, porém, com a pouca interferência no trabalho de Fumito Ueda, o jogo se tornou uma lenda e foi jogado por praticamente todos que jogaram o sucesso comercial e sucessor espiritual de ICO: Shadow of the Colossus. Para saber mais sobre o jogo, escute o nosso GCG Podcast #003.
Porém, quando não há uma grande publisher por trás do jogo, baixas vendas podem significar falência. Okami foi um grande exemplo de que um jogo genial pode não ser sinônimo de lucros, uma verdadeira obra de arte como podemos ver na resenha escrita por mim. O baixo orçamento para marketing e o fato de ter sido lançado no fim da vida útil do PS2 quando todos já migravam para uma nova geração causou um grande prejuízo para a Clover Studios que acabou sendo dissolvida pela Capcom após o lançamento de outro bom jogo mas também pouco vendido, God Hand.
Com base nos exemplos podemos ver que só há uma alternativa para a genialidade aparecer: deve haver um jogo que dê muito lucro para uma produtora para que exista espaço no orçamento para apostas como Beyond Good and Evil. Nem sempre temos jogos que são considerados obras de arte e são extremamente lucrativos como a série Metal Gear.
Esse é o capitalismo baby
Nem sempre os ventos do capitalismo vão favorecer nossos gostos, vemos cada vez mais as empresas, principalmente japonesas, voltando-se para o mercado mais lucrativo dos caça-níqueis e jogos mobile. Sega, Square e Konami já apontaram nessa direção em detrimento dos lançamentos de console e PC.
A saída de Kojima da Konami também foi atribuída ao fato de que a Konami deseja lançar um Metal Gear a cada ano, transformando a série em um novo Assassin’s Creed. A empresa já colocou anúncio no mercado para novos desenvolvedores com esse intuito. Se realmente acontecer, prevejo a série se tornando cada vez mais irrelevante até findar-se pela saturação do mercado.
Então meus amigos gamers, joguemos os nossos FIFAs e CoDs da vida e oremos para que a corrida pelo lucro não acabe com as franquias que gostamos ou não permitir que obras de arte como Okami e Beyond Good and Evil deixem de ver a luz do dia.
Ótimo artigo Diogão! É um assunto difícil de concluir, a linha é muito tênue. Mas é basicamente um paralelo da indústria do cinema, precisamos de bombas com Transformers que dão muita grana, para produzir coisas menores e melhores, mas que potencialmente não darão um lucro tão grande.
Do ponto de vista de negócios, a questão da matriz BCG (o conceito de vaca leiteira e afins), para se ter sucesso, uma empresa precisa ter um portfólio de produtos com diferentes taxas de crescimento e diferentes participações no mercado. A composição deste portfólio é uma função do equilíbrio entre fluxos de caixa. Produtos de alto crescimento exigem injeções de dinheiro para crescer. Produtos de baixo crescimento devem gerar excesso de caixa. Ambos são necessários simultaneamente.
Mas saturar uma marca tipo Assassin’s Creed, potencialmente pode deixar de ser uma vaca leiteira e se tornar um abacaxi. Eu até acho que já está se tornando. Mas ainda assim abacaxis, podem trazer retorno em caixa.
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